Qualidade da água nas pisciculturas

Autor: vitor kondo
Criado em: 2 de Junho de 2020 às 09:42
Modificado em: 2 de Junho de 2020 às 11:03
Tags relacionadas: Água; Psicultura;

Com uma taxa de crescimento de 5,6% por ano entre as décadas de 2001 e 2016, a aquicultura foi o setor de produção de alimentos que mais cresceu globalmente (FAO, 2018). No Brasil, é esperado um crescimento de  aproximadamente 105% da produção até o ano de 2025. Dentre as produções aquícolas, a piscicultura se destacou com produção de 578.000 toneladas em 2014, e de 722.560 toneladas em 2018 (Peixe BR, 2019). Em  2016, a produção de peixes (principalmente as espécies tilápia e tambaqui) em tanques-rede correspondeu a 70,9% da receita produzida na aquicultura (cerca de R$ 4 bilhões segundo o IBGE).

A grande extensão dos reservatórios brasileiros dificulta as coletas amostrais pontuais, que não são representativas para todo o reservatório, uma vez que amostras coletadas em um determinado dia não representam a qualidade da água ao longo de uma semana ou mês por não serem capazes de detectar as flutuações dos parâmetros de qualidade da água.

Diante disso, a Plataforma ABC da Embrapa Meio Ambiente em parceria com pesquisadores da Unesp propôs o monitoramento sistemático temporal dos parâmetros de qualidade de água utilizando dados de  sensoriamento remoto em reservatórios com parques e áreas aquícolas instalados.

A grande extensão territorial de reservatórios e açudes impulsionou a rápida expansão da atividade no país, tornando o Brasil um dos 16 maiores produtores globais de peixes em águas interiores. Juntamente com a expansão da produção, aumentam-se os impactos sobre a qualidade da água.

Os reservatórios, por serem ecossistemas aquáticos artificiais, aumentam o tempo de retenção da água, com consequente aumento do tempo da disponibilidade de nutrientes na água, favorecendo os processos de eutrofização. Atividades de manejo da produção na piscicultura como a alimentação e produção de rejeitos liberam nutrientes na água (principalmente, nitrogênio e fósforo) que também favorecem a eutrofização e crescimento de algas (fitoplâncton), reduzindo o oxigênio dissolvido disponível para os peixes. Além disso, algumas espécies de fitoplâncton podem produzir metabólitos tóxicos para os animais e seres humanos.

A CONAMA 413/2009 regulariza o licenciamento ambiental das áreas de exploração a partir do monitoramento de parâmetros hidrobiológicos mínimos (e.g. material em suspensão, transparência – Disco de Secchi, e clorofila-a) para garantir a manutenção da sanidade animal e do ecossistema aquático. O monitoramento conta com o método tradicional de coletas de amostras pontuais para análise da qualidade da água nas pisciculturas.

A iniciativa tem como triplo objetivo fortalecer a capacidade institucional do Brasil para o monitoramento da qualidade da água dos corpos d’água superficiais, disponibilizar informações sobre a qualidade de água nas pisciculturas através do AgroTagAQUA, sistematicamente e a baixo custo, e promover a inclusão e participação da sociedade no desenvolvimento científico, com a pesquisa aplicada à políticas públicas.

O sistema é resultado do projeto desenvolvido pela Embrapa, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES/Processo N. 421502/2017-7), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/Processo N. 421502/2017-7) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp/Processo N. 15/21586-9).

Aliando os conceitos de crowdsourcing e ciência cidadã, a iniciativa é uma tecnologia inédita no Brasil, e deverá trazer grande benefício para a gestão dos recursos hídricos.

 

Monitoramento em larga escala via sensoriamento remoto e redes colaborativas

O monitoramento conta com a geração de mapas sazonais de parâmetros de qualidade de água, tais como material em suspensão, transparência da água (profundidade do disco de Secchi – m), e concentração de clorofila-a, gerados a partir do algoritmo desenvolvido pelos pesquisadores da Unesp. Os mapas foram elaborados utilizando os dados das imagens do sensor OLI a bordo do satélite Landsat-8, da NASA. As imagens são disponibilizadas a cada 16 dias, com resolução espacial de 30 metros, o que possibilita o monitoramento mensal e em larga escala dos parâmetros de qualidade de água dos corpos d’água em áreas de interesse, e reduz substancialmente os custos do monitoramento.

Além disso, o satélite Landsat vem registrando imagens da superfície terrestre desde 1970, que permite obter os indicadores de qualidade de água dos reservatórios de todo esse período.

          
 
 

Áreas monitoradas: rede colaborativa e ciência cidadã

Os mapas disponibilizados no AgroTagAQUA são continuamente validados a partir de dados coletados por piscicultores através de uma estratégia de crowdsourcing aliada a temática da chamada ciência cidadã.

Reservatório de Ilha Solteira

O reservatório de Ilha Solteira está localizado na confluência dos rios Paranaíba e Grande, na bacia do alto rio Paraná. O reservatório foi construído em 1965 para geração de energia hidroelétrica, e cobre uma área de 1.195 km², com profundidade média de 17,62 m, um volume de 21.060 x 106 m3 e vazão média de 5.206 m3 s-1. O tempo de residência de 46,7 dias caracteriza o regime do reservatório como de acumulação. A região tem um clima tropical (“Aw” de acordo com a classificação de Köppen), que é caracterizada por verões chuvosos e invernos secos, com média anual de temperatura de 23,7 °C e precipitação anual de 1.300 mm.

O estado de São Paulo ocupa o segundo lugar como maior produtor de tilápia no Brasil. E no estado de São Paulo, o reservatório de Ilha Solteira tem destaque como um dos maiores produtores de tilápia.

A iniciativa de rede colaborativa teve início quando dados de transparência da água começaram a ser coletados pelos piscicultores do reservatório de Ilha Solteira – SP, que foram capacitados para coletar as medidas através da profundidade do disco de Secchi. Foram distribuídos discos de Secchi (um disco de aproximadamente 20 cm de diâmetro, com dois quadrantes alternados em cores preta e branca) com um cabo graduado que é paulatinamente imerso na água e fornece valores de transparência do sistema aquático.

         

    

Também entrarão nos esforços de coleta colaborativa, as medidas de clorofila-a a partir da disponibilização de sensores óptico-eletrônicos de baixo custo aos piscicultores, como etapas futuras, uma resultante da parceria com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus Salto (IFSP).[1]

A plataforma colaborativa do AgroTagAqua também pode abrigar iniciativas de monitoramento de diferentes corpos d’água, disponibilizando mapas dos parâmetros de qualidade de água, como dos reservatórios do rio Tietê.[2]

Sistema de Reservatórios em Cascata do Rio Tietê

O sistema em cascata dos reservatórios do rio Tietê, totalizando 1100 km de extensão, é formado pelos reservatórios de Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Promissão, Nova Avanhadava e Três Irmãos. As áreas ocupadas pelos reservatórios refletem condições de clima tropical (Aw), com verões úmidos e invernos secos (de acordo com a classificação de Köppen). Construídos, primeiramente, apenas com o objetivo de geração de energia elétrica, os reservatórios são usados, atualmente, também para navegação, pesca e criação de peixes, abastecimento de água e irrigação.

O rio Tietê sofre grande interferência humana pela descarga de efluentes, principalmente à sua montante, próxima à região metropolitana, revelando alta variabilidade de concentrações de clorofila-a (1,37 – 797,80 μg L-1), estando sujeito a diversos níveis de eutrofização. Esta variabilidade acontece devido ao efeito de cascata entre os reservatórios, nos quais as barragens funcionam como filtros da matéria orgânica e nutrientes que são carreados ao longo do curso do rio.

Com o objetivo de monitorar a qualidade de água desses reservatórios e compreender a dinâmica do sistema em cascata, os pesquisadores da FCT/Unesp desenvolveram e aplicaram algoritmos para mapear os parâmetros de qualidade de água do ambiente aquático do rio Tietê via sensoriamento remoto.

Os reservatórios, sujeitos à intensa influência das atividades antrópicas nos seus entornos, e em conjunto com o aumento do tempo de retenção da água e a sensibilidade ao regime de chuvas, são ambientes que apresentam condições favoráveis às florações de algas potencialmente tóxicas. E assim, exigem monitoramento sistemático da qualidade de água.

 

Artigos científicos relacionados

  1. Andrade, C.; Bernardo, N.; Carmo, A.; Alcântara, E.; Kampel. M. (2018) Assessment of quasi-analytical algorithm for estimating the inherent optical properties in a complex cascade system. Journal of Applied Remote Sensing. v. 12. p. 1-12.

  2. Bernardo, N.; Alcântara, E. (2017) Comparing proximal remote sensing and orbital images to estimate the total suspended matter in inland water. Modeling Earth Systems and Environment. v. 3. p. 1-8.

  3. Bernardo, N.; do Carmo, A.; Park, E.; Alcântara, E. (2019) Retrieval of Suspended Particulate Matter in Inland Waters with Widely Differing Optical Properties Using a Semi-Analytical Scheme. v. 11. p. 1-22.

  4. Gomes, A. C.; Pentean, R.; Portinho, J.L.; Vicente, L.E.; Spinelli-Araujo, L.; Gomes, D.; Manzatto, C.; Alcântra, E. H. Short-term retrieval of water transparency from a caged-fish farm using LandSat-8/OLI Image. XIX Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. 2019. ISBN: 978-85-17-00097-3.

  5. Gomes, A. C., Alcântara, E., Rodrigues, T., Bernardo, N., “Satellite estimates of euphotic zone and Secchi disk depths in a colored dissolved organic matter-dominated inland water,” Ecological Indicators. 110, 1-14 (2020).

  6. Portinho, J. L.; Gomes, A. C. C.; Koga-Vicente, A.; Manzatto, C. V.; Milani, F. C. C.; Spinelli-Araujo, L.; Vicente, L. E. An interactive WebGis plataform for enhanced support of integrated environmental management of aquaculture. XIX Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. 2019. ISBN: 978-85-17-00097-3.

  7. Portinho, J. L.; Gomes, A. C. C.; Vicente, A. K.; Silva, M. S. G. M. E.; Spinelli, L.; Losekann, M. E.; Saulino, H. H. L.; Manzatto, C. V.; Vicente, L. E. Desenvolvimento e validação de metodologias multissensor/multiescala para coleta, análise e disponibilização de dados de qualidade de água em áreas aquícolas: o caso de ilha solteira no contexto projeto componente manejo e gestão ambiental da aquicultura. In: Vandervilson Alves Carneiro; Jean Carlos Vieira Santos. (Org.). O Matraquear das Águas no Cerrado. 1ed. Anápolis (GO): Solo, Água e Meio Ambiente, 2019, p. 179-198.

  8. Portinho, J. L.; Gomes, A. C. C.; Koga-Vicente, A.; Silva, M. S. G. M. E.; Spinelli, L.; Gomes, D.; Losekann, M. E.; Saulino, H. H. L.; Manzatto, C. V.; Perosa, B. B.; Vicente, L. E. A importância da coleta de dados na aquicultura. Agroanalysis, São Paulo, p. 19 - 20, 01 set. 2019.

  9. Portinho, J. L.; Gomes, A. C. C.; Koga-Vicente, A.; Silva, M. S. G. M. E.; Spinelli, L.;  Manzatto, C. V.; Perosa, B. B.; Vicente, L. E.; Rodrigues, G. S. Indicadores da adoção de boas práticas de manejo para aquicultura em tanques-rede. Agroanalysis. In Press. 2020.

  10. Rodrigues, T.; Alcântara, E. ; Mishra, D. R.; Watanabe, F.; Bernardo, N.; Rotta, L.; Imai, N.; Astuti, I. (2018) Performance of existing QAAs in Secchi disk depth retrieval in phytoplankton and dissolved organic matter dominated inland waters. Journal of Applied Remote Sensing. v. 12. p. 1-10.

  11. Watanabe, F. S. Y.; Alcântara, E.; Bernardo, N.; de Andrade, C.; Gomes, A. C.; do Carmo, A.; Rodrigues, T.; Rotta, L. H. (2019) Mapping the chlorophyll-a horizontal gradient in a cascading reservoirs system using MSI Sentinel-2A images. Advances in Space Research. v. 64. p. 1-10.

  12. Watanabe, F.; Alcântara, E.; Imai, N.; Rodrigues, T.; Bernardo, N. (2018) Estimation of chlorophyll-a concentration from optimizing a semi-analytical algorithm in productive inland waters. Remote Sensing. v. 10. p. 2-18.

  13. Watanabe, F.; Alcântara, E.; Rodrigues, T.; Rotta, L.; Bernardo, N.; Imai, N. (2017) Remote sensing of the chlorophyll-a based on OLI/Landsat-8 and MSI/Sentinel-2A (Barra Bonita reservoir, Brazil). Anais da Academia Brasileira de Ciências. v. 90. p. 1987-2000.

  14. Watanabe, F. S. Y.; Mishra, D. R.; Astuti, I.; Rodrigues, T.; Alcântara, E.; Imai, N. N.; Barbosa, C. (2016) Parameterization and calibration of a quase-analytical algorithm for tropical eutrophic waters. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing. v. 121. p. 28-47.